Coronavírus e rescisão dos contratos de trabalho: quem paga a conta?

No curso das relações trabalhistas a extinção do contrato de trabalho pode acontecer por diversas formas, como, por exemplo, pedido de demissão, dispensa imotivada, justa causa ou sem justa causa, rescisão indireta, etc.

O objeto do presente artigo é uma dessas hipóteses: a extinção em razão de fato do príncipe ou factum principis.

Mas o que seria o denominado FATO DO PRÍNCIPE?

Antes de adentrarmos na celeuma trabalhista, trago aqui um ensinamento de DIREITO ADMINISTRATIVO, com o seguinte conceito:

Fato do príncipe é de acordo com os ensinamentos de Diogo Moreira Netto (2009) uma ação estatal de ordem geral, que não possui relação direta com o contrato administrativo, mas que produz efeitos sobre este, onerando-o, dificultando ou impedindo a satisfação de determinadas obrigações, acarretando um desequilíbrio econômico-financeiro.

No Direito Administrativo, então, a ocorrência do chamado “fato do príncipe” pode ensejar alteração do contrato administrativo, ou mesmo sua rescisão.

Nesse contexto, podemos trazer como exemplo de factum principis, no direito administrativo, a desapropriação, onde o estado poderá utilizar de uma propriedade de particular com o fito de promover interesse coletivo – desapropriar um terreno a fim de se construir uma ponte, por exemplo.

Por outro lado, no direito do trabalho, o conceito de factum principis seria a paralisação temporária ou definitiva do trabalho em razão de ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade.

É o que estabelece o artigo 486, caput, da CLT, vejamos:

Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951).

Neste sentido, pela leitura crua do artigo, considerando que a paralisação das atividades empresariais se deu em razão de ato de autoridade municipal, estadual e federal, impossibilitando a continuidade dos serviços empresariais, deveria o ente arcar com as verbas rescisórias trabalhistas, correto?! Em tese, sim!

Foi nesta tese que uma grande rede de churrascaria do Brasil noticiou o fechamento de estabelecimentos, com a invocação do fato do príncipe, como justificativa para não pagar os acertos rescisórios.

Para ficar mais claro, trago mais uma vez o exemplo do Direito Administrativo: imaginemos o mesmo exemplo de que o poder público pretenda fazer uma ponte, existindo opções que não causariam qualquer dano aos particulares (pode discricionário), o gestor público faça a opção por fazer a obra num local que causa dano a diversos particulares, ocasionando o que chamamos por desapropriação do terreno daquele particular. Aqui, aquele empresário atingido poderá exigir que o ente público responsável pelo prejuízo arcasse com pagamento de uma indenização a título de compensação pela retirada do seu terreno particular para atender demanda coletiva.

Retomando agora a aplicação do fato do príncipe na esfera trabalhista, tomando por base o referido conceito administrativo, é exigido que haja (i) a paralisação da atividade, e, sobretudo, que seja motivada por (ii) ato discricionário do poder público que concorre para a inviabilidade da atividade econômica.

Logo, apesar dos empresários não terem culpa do insucesso profissional causado pelo coronavírus, a culpa também não é do Poder Público, uma vez que os decretos baixados pelos gestores públicos se deram unicamente em razão de conter a propagação do vírus, logo, não seria lógico atribuir ao Estado ou a qualquer ente público o dever de arcar com verbas de rescisão contratual, de forma que em tese, a invocação da teoria do fato do príncipe poderia cair por terra, uma vez que não atende aos requisitos legais.

Ademais, analisando por viés, caso os Entes Públicos não tomassem atitudes como o isolamento, por exemplo, isto poderia gerar ações indenizatórias pela não atenção à saúde do coletivo, uma vez que o Estado foi omisso em decidir.

Por outro lado se a autoridade pública fosse responsável pela extinção do contrato de trabalho, quais verbas ela deverá arcar?

Uma corrente minoritária considera que a autoridade competente é responsável pelo pagamento de todas as parcelas decorrentes da cessação do contrato de trabalho, isto é, pelas parcelas resilitórias – férias + 1/3, indenização adicional sobre o FGTS e saldo de salários.

Para outros doutrinadores, por sua vez, que se enquadraria aqui como a corrente majoritária, a responsabilidade da autoridade que extinguiu a empresa está à indenização por tempo de serviço por contrato indeterminado, que seria a conhecida multa de 40% do FGTS, ou por contrato determinado – art. 479 da CLT.

Ademais, dentro dessa tese existe outra divergência, uma vez que para alguns a multa deverá ser paga pela metade, ou seja, 20% do FGTS.

Por fim, e não menos importante, é necessário explicar, conforme ensinamento do jurista Fabiano Coelho de Souza que, “invocado o fato do príncipe pela defesa, o magistrado notificará a pessoa de direito público apontada para responder no prazo de 30 dias. Em seguida, na forma da legislação celetária (§ 3º do artigo 486 da CLT), a questão seria encaminhada para solução pelo juiz da Fazenda Pública, regra que compreendemos não ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Assim, a própria sentença trabalhista definirá se o ente público responde e qual seria o alcance de tal responsabilidade”.

Neste sentido, após a invocação do factum principis, deverá o ente público ser ouvido no prazo de 30 dias, devendo os autos serem encaminhados para o Juiz da Fazenda Pública, contudo tal regra não foi recepcionada pela Constituição Federal, fazendo com que a própria sentença trabalhista defina a responsabilidade ou não do ente público.

De mais a mais, o que se sabe é que em meio a tanta celeuma, mais do que nunca, é preciso que o Judiciário esteja atento, a fim de se decidir de forma equânime e justa para as partes envolvidas nos processos, sejam eles particulares ou não.

 

Fontes:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/com-a-covid-19-a-rescisao-contratual-pode-ser-paga-pelos-governos-locais-05062020

https://www.conjur.com.br/2020-abr-18/fato-principe-identificar

https://jus.com.br/artigos/35447/fato-do-principe#:~:text=Fato%20do%20pr%C3%ADncipe%20%C3%A9%2C%20de,determinadas%20obriga%C3%A7%C3%B5es%2C%20acarretando%20um%20desequil%C3%ADbrio